Na COP30, mulheres atuantes no setor florestal conectam inovação e resiliência climática
- Rede Mulher Florestal
- há 3 dias
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Painel da Rede Mulher Florestal na AgriZone, durante a COP30, reuniu lideranças de comunidades, pesquisa, engenharia e investimento para mostrar como mulheres que vivem e trabalham com a floresta estão redesenhando a ação climática e a transição justa no Brasil.
Por Elias Serejo | Jornalista SRTE/Pa 2258

Belém, novembro - O Auditório A3 da AgriZone, espaço coordenado pela Embrapa durante a COP30, virou uma arena de escuta e afirmação da relevância do protagonismo de mulheres na agenda climática e florestal. Reunindo representantes de diferentes pontos da cadeia - das terras da floresta às entidades de classe, passando pela pesquisa e pelo investimento privado – o painel “Tecendo Soluções: Mulheres da Floresta na Ação Climática e Transição Justa”, promovido pela Rede Mulher Florestal, mostrou que não há caminho justo para a transição climática e conservação ambiental sem enfrentar desigualdades de gênero, raça e território.
Estiveram no palco Cindy Correa (IBÁ), Amanda Quaresma (APEF–PA), Adriana Falconeri (CREA–PA), Joice Ferreira (Embrapa), Ana Carolina Vieira (Amazon Investor Coalition), Solange Ikeda (Rede Nativas) e Margarida Florestal, moradora da Resex Verde para Sempre. Juntas, elas costuraram um mosaico de experiências que atravessa a Amazônia, as periferias urbanas, os conselhos profissionais, a pesquisa científica e as redes de investimento socioambiental.
Primeira mulher a presidir o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Pará (CREA–PA) em toda a história da instituição, Adriana Falconeri levou para o debate o peso simbólico e prático de ocupar um espaço tradicionalmente ocupado por homens. Ela lembrou que, quando uma mulher assume a presidência de um conselho profissional, não está apenas “fazendo história” - está reorientando prioridades, programas e narrativas.
Segundo Adriana, uma das estratégias do CREA–PA tem sido chegar “em todos os cantos” para mostrar às mulheres que elas podem ser engenheiras nas mais diversas áreas. Programas de incentivo, visitas a escolas e ações de aproximação com a base têm, segundo ela, refletido em aumento da participação feminina nas engenharias. “É um programa efetivo, eficaz e eficiente. Desde que entrei, a já percebe-se aumento na porcentagem de mulheres nas engenharias”, afirmou.
Mas, a presidente do CREA–PA fez questão de lembrar que a disputa não é apenas por vagas em cursos ou cargos formais, e sim por uma mudança de mentalidade – especialmente entre quem ainda controla a maior parte dos recursos: “A educação é fundamental. A gente projeta o futuro pelas nossas crianças, mas também precisa fazer o letramento das gerações mais velhas, que resistem a enxergar o protagonismo feminino. Sensibilizar as pessoas que têm o dinheiro na mão e ainda não querem investir em conservação liderada por mulheres é um desafio enorme. Por isso, redes como a Rede Mulher Florestal são fundamentais para manter essa força viva”, discursou.
Periferia, investimento e o risco da “inclusão de planilha”
Se Adriana fala a partir de um conselho de classe, Ana Carolina Vieira, da Amazon Investor Coalition (AIC), trouxe para o centro do debate a experiência de territórios marcados por racismo estrutural e desigualdade econômica. Em sua fala, ela destacou a realidade de mulheres negras, muitas vezes mães solo, que vivem e trabalham nas periferias e favelas, sustentando famílias em contextos de alta vulnerabilidade socioambiental.
Ana Carolina chamou atenção para um ponto sensível da agenda de gênero: a diferença entre incluir mulheres em projetos e redistribuir poder e recursos de fato. “Nos territórios, as mulheres trabalham todos os dias, muitas delas são mães solteiras, mulheres pretas. O nosso desafio é: quando é que a gente vai ver homens ocupando espaços como este, caminhando ao lado da gente, dividindo a responsabilidade? Não dá para seguir naturalizando que o cuidado com a vida tem sido tarefa exclusiva das mulheres”, provocou.
Ela criticou o que chamou de “inclusão de planilha”: “A gente não quer mais projeto que coloca ‘gênero’ no título só porque 15 mulheres participaram de uma reunião. Isso não é inclusão. Precisamos de programas de investimento direto para mulheres, pensados a partir das necessidades e sonhos delas, e não de metas genéricas. Não há nenhuma razão para duvidar da capacidade de uma mulher em protagonizar uma cadeia de valor inteira.”
“Não é só estar na sala”: maternidade, rede de apoio e representatividade
Diretamente da Associação Profissional dos Engenheiros Florestais do Pará (APEF–PA), Amanda Quaresma conectou a agenda da transição justa com a vida cotidiana das mulheres que enfrentam dupla ou tripla jornada. Em seu relato, ela falou como profissional, mas também como mãe.
Amanda contou que depende de uma rede de apoio – especialmente de outra mulher que a ajuda a cuidar da filha – para conseguir participar de espaços como o painel da Rede Mulher Florestal. Levar a criança para um ambiente onde o palco e a plateia são majoritariamente femininos, segundo ela, é parte da sua estratégia de educação e empoderamento. “Eu faço questão que a minha filha veja mulheres falando, decidindo, ocupando o palco. Isso também é formação. Quando uma menina cresce vendo que as referências de autoridade são só homens, a mensagem que fica é outra. Hoje, olhar para este auditório cheio de mulheres e estar aqui em cima com outras mulheres é um recado muito forte para ela”, afirmou.
Ao falar de inclusão, Amanda reforçou a crítica à ideia de que basta “contar presenças” para resolver desigualdades: “A gente está usando esses momentos de escuta, como este painel, para construir programas de investimento direto para mulheres, voltados para mulheres. Não é suficiente dizer que teve participação feminina porque 15 mulheres apareceram na lista. Inclusão verdadeira é quando as mulheres influenciam a decisão, o orçamento, a prioridade do projeto”
Da Resex para o mundo: o protagonismo de Margarida Florestal
Se parte das falas vinha de instituições com atuação nacional ou setorial, Margarida Florestal trouxe para o debate a perspectiva de quem vive no meio da floresta, na Resex Verde para Sempre, no Pará. Reconhecida por seu trabalho com conservação e manejo comunitário, ela foi recentemente premiada pela OMA (Organização Mundial do Meio Ambiente) e compartilhou com o público como é conciliar o isolamento geográfico com a necessidade de estar em espaços de incidência política.
Em sua intervenção, Margarida descreveu o esforço coletivo para garantir que a voz da comunidade chegue até fóruns como a COP30: “Lá na Resex a gente vive no coração da floresta. Para eu estar aqui, tem toda uma mobilização: quem fica cuidando da casa, quem garante o trabalho no mato, quem segue acompanhando os acordos de uso. Nós somos responsáveis por ‘cuidar de todos’, de gente e de floresta. Então, quando eu recebo um prêmio ou falo num evento como este, não é uma vitória individual. É o reconhecimento de um trabalho coletivo de mulheres e homens que decidiram manter a floresta em pé”, explicou.
Para Margarida, transição justa significa que as populações tradicionais não sejam tratadas apenas como “beneficiárias”, mas como sujeitos políticos que desenham e avaliam políticas públicas.“Se querem falar de clima e de floresta, têm que ouvir quem mora dentro da floresta. E as mulheres, que estão na linha de frente do cuidado, precisam ser as primeiras a serem chamadas para construir esses caminhos”, pontuou.
Tecendo soluções a muitas mãos
Ao reunir representantes da IBÁ, APEF–PA, CREA–PA, Embrapa, Amazon Investor Coalition, Rede Nativas e da Resex Verde para Sempre, a Rede Mulher Florestal mostrou, na prática, o que significa “tecer soluções”: cruzar saberes técnicos, experiências de base, agendas urbanas e rurais, ciência e finanças, sempre a partir de uma lente de justiça social e de gênero.
O painel reforçou que não há neutralidade na transição climática. As decisões sobre qual modelo de desenvolvimento será priorizado, quem terá acesso a crédito, quais territórios serão protegidos e quem senta à mesa para decidir tudo isso continuam marcadas por assimetrias de poder. Colocar mulheres – especialmente mulheres negras, periféricas, indígenas e extrativistas – no centro do debate não é um gesto de gentileza, mas uma condição para que a transição seja, de fato, justa.
Ao fim do encontro, ficou explícito um recado comum às falas das painelistas: a transição climática não será justa se continuar sendo desenhada sem a voz e o olhar das mulheres que sustentam, diariamente, as florestas, as cidades e as comunidades onde a crise climática já é realidade. A Rede Mulher Florestal, ao ocupar a AgriZone na COP30, mostrou que essa mudança já começou - e que não há mais volta.








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